a palavra é uma potência feito gênesis, criadora
para muitos povos um nome é capaz de criar um manto de proteção
dar nome às coisas tem sido uma sina
fundamento da nossa comunicação enquanto ser-sensível-social
entre gestos, símbolos e cores
como uma mão encontrada numa caverna antiga
"estive aqui"
urge a escrita
mãos e telas de argila, papel e caneta, spray e parede
para alguns, também é uma tessitura fina e delicada
costurando tempos e memórias
dando voz ao silêncio que sucumbiu
narrando gritos, choros e círculos de bala
é
essa palavra que perdura tem muita potência
e precisamos existir e resistir de onde estamos
para cada Orí, uma ferramenta de luta
e parece que em cada par de olhos das mulheres-mães
um rio condescendente
de águas-correntezas
carregadas de tempestade
fúria que encontra força no afeto para sobreviver
e fazer viver
as crias do mundo seu
O caminho que a Conceição Evaristo percorre com a palavra foi e é para recuperar a tradição do seu povo de contar e cantar, visto que a sua literatura se fundamenta em assumir o que foi vivenciado por negros e negras ao longo da história, acolhendo relatos de vidas marcadas pela escravidão. Denunciando a desigualdade social, preconceito racial e marginalização.
Os contos narrados na sua obra "Olhos d'água" possuem uma escrita de fácil compreensão, afinal, é visceral. Capaz de sutilmente nos levar para uma casa num morro do Rio de Janeiro e procurar junto de uma criança o seu adesivo de flor, em meio às águas salgadas do cansaço de sua mãe, do suor que pinga da correria que seu irmão faz carregando um peso a mais na cintura e o chocalho de balas que não são doces apesar de trazer formiga à boca. Trágico, doloroso, real e nos aproxima da realidade brasileira narrada da perspectiva decolonial que apresenta os outros lados da moeda, afinal, quantas perspectivas foram soterradas nesse Brasil de muitos povos? E quantas outras sequer sobreviveram aos sequestro pelo mar? Nessa travessia de mundos, ecoam-se cantos, preces… serem acolhidos pelas águas de Yemanjá.
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